sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Tempestade de Gelo - Mark Twain

Quando ela começa, a notícia corre de quarto em quarto, na casa toda; há batidas nas portas, e gritos: “Olha a tempestade de gelo! Olha a tempestade de gelo!” e até os mais preguiçosos atiram longe as cobertas e aderem à corrida às janelas.
Os encantamentos das tempestades de gelo são geralmente tramados no silêncio e na escuridão da noite. Uma chuvinha miúda cai durante horas sobre os ramos e galhos nus das árvores, e vai gelando à medida que cai. Daí a algum tempo, os troncos e todos os galhos e todos os ramos estão envoltos em puro e sólido gelo; e as árvores parecem esqueletos de árvores, inteiramente feitas de vidro – um vidro límpido como cristal.
O tempo levanta, quando vai chegando a madrugada, e deixa uma atmosfera viva e pura e um céu limpo de nuvem; está tudo tranqüilo; não há um sopro de vento. Rompe a madrugada, clareia o dia, a notícia da tempestade corre a casa, pequenos e grandes acorrem às janelas e olham fixamente para fora, para os fantasmas brancos no parque. Ninguém diz uma palavra, ninguém se move. Todos esperam; sabem o que está para vir e esperam... esperam pelo milagre.
O sol desfere afinal, um súbito feixe de raios sobre as árvores fantasmagóricas e transmuda-as num esplendor de diamantes. Todos prendem a respiração, todos sentem um travo na garganta e uma umidade nos olhos – mas continuam esperando, pois sabem que há mais.
O sol sobe mais alto, cada vez mais alto, inundando as árvores, desde as ramas mais altas até as mais baixas, transformando-as numa gloriosa fogueira branca; depois, num instante, sem aviso, dá-se o supremo milagre, o milagre que não tem igual na Terra.
Uma rajada de vento faz oscilar todos os ramos e todos os galhos, e num segundo arranca das árvores brancas jorros, esguichos e explosões de pedras preciosas de todas as cores imagináveis e eis que as árvores balançam para um lado, para outro, cintilando, brilhando, bailando, fulgurando, um mundo de rubis, esmeraldas, diamantes, safiras, o espetáculo mais radioso, o espetáculo mais ofuscante, mais divino, mais maravilhoso, a visão mais intoxicante de fogos e cores e um intolerável e inimaginável esplendor que o olhar jamais poderá alcançar fora dos portões do Paraíso.

Um comentário:

  1. Este é o texto mais fantástico, mais perfeito, do ponto de vista estilistico, do "timing", do recurso poéwtico que eu já lí.

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